Material reciclado para construção ainda enfrenta resistência no setor
Texto: Redação Revista Anamaco
De acordo com a Pesquisa Setorial 2024, realizada pela Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), o setor da construção civil brasileiro gera mais de 106 milhões de toneladas de entulho por ano, um volume suficiente para encher mais de 660 estádios do Maracanã. No entanto, apenas 25% desse total é reciclado e entre 30% e 40% recebe destinação adequada. Mesmo assim, isso não garante o reaproveitamento dos resíduos como insumo em novas obras.
Segundo a entidade, uma das alternativas mais eficientes para reverter esse cenário é o uso de agregados reciclados, produzidos a partir da britagem do próprio entulho. Mas, apesar de seu potencial técnico e ambiental já comprovado, esse material ainda enfrenta resistência por parte do mercado da construção.
Rafael Teixeira, especialista em reciclagem e logística de resíduos da Abrecon, conta que estudos técnicos demonstram que os agregados reciclados podem substituir até 100% da brita ou areia em aplicações como concreto não estrutural, pavimentação, base de calçadas e aterros, sem perda significativa de desempenho, desde que respeitadas as especificações de uso.
Teixeira salienta que pesquisas conduzidas por universidades brasileiras, como a Universidade Federal do Ceará e a Universidade de Pernambuco, comprovaram que a substituição parcial é viável, segura e está dentro dos parâmetros normativos quando há controle na dosagem e qualidade do material reciclado. “Ainda assim, o uso desse tipo de insumo continua sendo exceção no Brasil, e não a regra. Apenas 16 milhões de m³ de agregados reciclados foram comercializados em 2023, o que representa uma fração modesta diante do potencial produtivo nacional, estimado em 24 milhões de m³”, explica o especialista.
Na sua análise, o principal obstáculo para a adesão não é técnico, mas cultural e institucional. Segundo ele, a falta de padronização nas especificações técnicas, o desconhecimento por parte de construtoras e engenheiros, a baixa exigência em licitações públicas e o preconceito com material reciclado ainda são barreiras concretas. “Ainda há uma ideia equivocada de que o agregado reciclado é um subproduto de baixa qualidade quando, na verdade, ele pode ter desempenho compatível com aplicações comuns na construção. O setor precisa romper essa resistência e entender que incorporar resíduos ao processo construtivo é não apenas viável, mas necessário”, afirma.
A pesquisa mostra que o desconhecimento técnico é citado por 29% dos recicladores como um dos maiores entraves à comercialização do agregado, enquanto a baixa conscientização ambiental dos compradores representa 32% das respostas.
Mesmo entre os municípios com Plano de Gerenciamento de Resíduos da Construção (PGRCD), apenas 20% preveem o uso de agregados reciclados em obras públicas, um índice que demonstra o quanto as políticas públicas ainda estão distantes de fomentar de fato a economia circular no setor. “Enquanto não houver incentivo prático, como exigência em editais de obras, descontos em tributos ou fomento à cadeia da reciclagem, os agregados reciclados continuarão sendo subutilizados. O Brasil já tem infraestrutura para isso, mas falta decisão institucional para transformar isso em política de Estado”, finaliza Teixeira.
Foto: Divulgação