Reflexão sobre um mercado com mais de 100 mil lojas - Revista Anamaco

Global Retail Show

Reflexão sobre um mercado com mais de 100 mil lojas

Texto: Redação Revista Anamaco 

Um dos segmentos mais importantes para a economia brasileira - o de material de construção - pela primeira vez, ganhou espaço no maior encontro do varejo mundial, o Global Retail Show. Sob o tema “Reflexão sobre um mercado com mais de 100 mil lojas”, o encontro virtual, mediado pela jornalista Beth Bridi, diretora de Redação da Grau 10 Editora, contou com a participação de Katia Ratnieks, consultora de Pesquisas da Anamaco; Maristela Lourenço, consultora da GC Connect Shopper; Hilton Saporski, diretor da Cofema Atacadista; e Marcos Atchabahian, diretor da Village Home Center, que falaram, entre outros assuntos sobre os negócios do setor no período pré e pós-pandemia de coronavírus e sobre as novas formas de atendimento ao consumidor, que se fizeram urgentes e necessárias a partir do isolamento social imposto pela crise sanitária. Além disso, foi apresentada uma pesquisa inédita sobre o cenário antes e depois da pandemia e a perspectiva de varejo omnichannel.
A consultora fez a abertura do encontro dando uma visão do que é o varejo de material de construção no País, quem é o consumidor, onde mora e porque, para que ele vai até uma loja do setor e que tipo de produto o cliente busca. Katia destacou, ainda, que os 600 lojistas entrevistados garantem que sempre veem nas lojas os clientes habituais e que 58% dos clientes visitam as lojas com frequência. Um percentual expressivo e que contradiz o que era considerada uma verdade no setor sobre a baixa visitação dos clientes aos pontos de venda.
Segundo ela, existem diferenças de renda no País, que se refletem nos municípios. Dessa forma, as lojas e as necessidades de cada um desses perfis consumidores diferem. Mas não é só a renda que difere esses perfis: educação, infraestrutura, trabalho, transporte, saúde, internet refletem em diferentes preferências e necessidades. “Tudo isso compõe parte da decisão por uma loja de material de construção”, observou Katia.

  
             KATIA RATNIEKS                                                        BETH BRIDI                                                               MARISTELA LOURENÇO
Na sequência Beth lembrou que proposta do painel era falar sobre o varejo do setor da construção e fazer uma reflexão sobre um mercado que engloba mais de 136 mil lojas, sendo que 68,3% têm até quatro funcionários. E quis saber de Maristela qual a característica do “shopper” e qual a importância de o lojista conhecer bem sua clientela.
Nesse sentido, Maristela destacou que é relevante ao revendedor saber o que é sua loja e qual é o seu propósito de ser e para quem ele quer ser. Segundo ela, como estudiosa do shopper, trabalha com uma convicção: não dá para ser tudo para todos. “O lojista tem de saber quem é. Seu propósito e sua promessa têm de estar claros para o seu cliente. Porque nada pior do que o consumidor buscar algo na sua loja e não encontrar”, frisou.
Com lojas de todos os portes em atuação, ela destacou que o lojista deve ter claro o quanto está se dedicando para conhecer e se aproximar do comprador. A consultora destacou, ainda, que o Brasil é um país grande, diverso e que não é possível generalizar. Ela observou, entretanto, que o consumidor de material de construção, em especial, vai até uma loja por, pelo menos duas razões: para buscar produtos para conserto, obra e reforma, ou para bem estar.
Atchabahian, diretor da Village, cujas unidades são focadas nos consumidores das classes C e D, lembrou que há 40 anos atende ao público de baixa renda, o que dá a ele conhecimento sobre como lidar com esse perfil de clientes. “É um público que tem uma renda limitada, o que o obriga a comprar, aos poucos, durante o período de construção ou reforma. Dessa forma, ele precisa ir muitas vezes à loja para comprar em pequenas etapas, mas constantemente”, explicou.
Segundo ele, os consumidores da Village, em particular, preferem parcelar em condições que caibam no seu bolso em vez de pagarem à vista mesmo mediante a possibilidade de desconto. “Dessa forma, ele faz a obra andar e consegue manter a família”, justificou.
O executivo lembrou, ainda, que os clientes da Village não têm a consultoria de arquitetos para indicar o material e a quantidade a ser comprada. Dessa forma, os pedreiros são os responsáveis por essa função, o que ocasiona muitos erros nas compras. Sendo assim, os vendedores devem recebê-los, entender suas dificuldades e ficar muito atentos à lista do cliente, oferecendo soluções e não vender o que está escrito no papel que ele leva até a loja. “Nosso consumidor é muito diferente do que supermercado, por exemplo. Ele não tem nenhuma obrigação de entender de material de construção e desconhecem, tecnicamente, o que têm de comprar. Por isso, precisa de orientação”, disse.
Diante dessa certeza, Atchabahian garantiu que a loja de bairro oferece a segurança que o consumidor precisa. E para atender bem, deve ser bem montada e sortida, com oferta de produtos e com o mix que o cliente gosta e tenha condição financeira para comprar.

O lojista tem de saber quem é. Seu propósito e sua promessa têm de estar claros para o seu cliente

Beth lembrou que o material de construção está atrasado em relação a outros varejos de ponta, mas que além dessas diferenças, é um setor, cujo cliente precisa de informações técnicas, de crédito e de ajuda no ponto de venda. “É um setor muito pulverizado. Atender a esse lojista também é um desafio”, destacou.
Nesse sentido, Saporski, diretor da Cofema, observou que a cadeia de abastecimento de material de construção começa com os fabricantes. Segundo ele, esse fornecedor vai direto ao lojista e tem a missão de fazê-lo entender a sua marca, treinar sobre o seu produto, capacitar os lojistas para que estejam seguros sobre o que estão vendendo. Para isso, os vendedores e os representantes das indústrias, na sua análise, têm um papel fundamental para dar sustentação ao modelo de negócio.
Outra parte importante dessa cadeia, na opinião de Saporski, são os atacadistas, que conseguem fazer a capilaridade e ter um grande mix para fazer a reposição do varejo. “Tentamos fazer, de todas as formas, que o varejo não tenha ruptura e que consiga atender ao consumidor de forma eficaz”, garantiu.
O diretor da Cofema endossou a opinião de Atchabahian e frisou que o lojista tem de saber medir a necessidade do consumidor e saber qual a realidade do varejo na comunidade em que ele está inserido. “Existem muitas lojas que se estabeleceram em locais de loteamento  que evoluiu, mas o mix não acompanhou essa mudança de perfil do bairro e as vendas de determinados itens acabam caindo”, destacou.

Uma nova realidade com o início da pandemia

Katia lembrou que, logo após o Carnaval, a bomba, chamada pandemia de coronavírus, caiu sobre o Brasil. Em isolamento social, as pessoas mudaram os hábitos diários, passaram a cuidar mais de suas casas e deixaram de gastar com itens que envolviam atividades fora de casa, como bares, restaurantes, viagens e lazer. Além disso, uma parcela da população recebeu o auxílio emergencial do governo, contribuindo para o aquecimento de alguns setores da economia. O de material de construção foi um dos beneficiados. “Os revendedores entrevistados, independentemente do porte, afirmaram que aumentou o número de clientes da loja e o resultado foi o aumento nas vendas do varejo”, contou.
Com o susto inicial, que determinou o fechamento das lojas consideradas não essenciais, surgiu uma nova realidade para o segmento. Seja pela impossibilidade de vender da forma tradicional - em alguns Estados, apesar da essencialidade do setor, muitas lojas tiveram que fechar as portas - ou pela decisão das pessoas de respeitar o distanciamento social, o varejo criou novas formas de atendimento.
Nesse cenário, a pesquisa apontou que, no período de pandemia, os clientes passaram a comprar por telefone e Whatsapp. “Essa foi uma das principais mudanças sentidas nas relações comerciais”, comentou Katia, acrescentando que, houve aumento, ainda, do e-commerce.
Beth avaliou que muitas transformações vieram para ficar e outras, talvez, não. Ela frisou que, no varejo de material de construção, o Whastapp virou a grande ferramenta. “Ninguém teve tempo de se preparar, mas o cliente não estava indo ao ponto de venda, que sempre foi o grande canal. Nesse setor, a loja física ainda é muito importante. É nela que as decisões são tomadas, as marcas decididas e que se busca o apoio de informações técnicas para se conduzir uma obra ou uma reforma”, ressaltou.

                                            
                                                              MARCOS ATCHABAHIAN                               HILTON SAPORSKI
Com essa nova realidade, Atchabahian contou que foi um choque. Mas ele reforçou que o empreendedor brasileiro tem uma marca, que é a criatividade. Assim, os lojistas tiveram de criar formas para se comunicar com os clientes. Ele lembrou que as maneiras mais rápidas foram o telefone e o Whatsapp, que se transformou em uma grande ferramenta de negócios. “Por meio dele, conseguimos conversar com nossos clientes e mostrar o que eles desejavam comprar”, explicou.
Segundo ele, pouco a pouco, as pessoas foram perdendo o medo de visitar as lojas. Atchabahian destacou que o varejo da construção tem a particularidade de o cliente querer tocar o produto. “O e-commerce está longe da realidade do material de construção, que é uma venda técnica e precisa de orientação. A chance de vender um produto errado por esse canal é muito grande e gera um retrabalho. Mas é uma situação que vamos ter de enfrentar porque o comércio eletrônico não é futuro, ele é presente”, disse o diretor, acrescentando que o cliente de material de construção é conservador e ainda não está preparado para o e-commerce.
Maristela avaliou que conhecer o cliente faz toda a diferença, não é possível generalizar nunca e é preciso conhecer sua região, a cultura e o momento do bairro em que a loja atua, se é de reforma ou de construção. “O lojista não pode apenas vender produto, tem de vender a solução”, pontuou.
Segundo ela, a pandemia trouxe à tona práticas sustentáveis em geral, defesa de causas sociais e valorização de marcas e empresas que se mostraram propensas a contribuir para o bem comum. “Esses valores foram retomados”, destacou.

Os atacados cresceram muito e estão conseguindo fazer com que o varejo tenha o menor índice de ruptura possível

Saporski lembrou que, os lojistas de material de construção têm uma característica muito relevante, que é a resiliência. Segundo ele, a capacidade de entender, se adaptar ao contexto e envolver a todos é o que faz com que o setor se enquadrasse à nova realidade. “Nós fazíamos planejamentos diários porque as mudanças eram radicais. A grande fortaleza do setor é o relacionamento. O que não temos de tecnologia no ponto de venda, compensamos com o relacionamento com o consumidor. Isso nos dá a vantagem de nos adaptar à realidade escutando o cliente. É muito importante entender esse relacionamento e se apropriar dele”, observou.
O executivo da Cofema concordou que o Whatsapp foi a grande mudança que o Covid-19 trouxe para a relação com os consumidores, lojistas e fabricantes, mas questionou o que ficará. “Os atacados cresceram muito e estão conseguindo fazer com que o varejo tenha o menor índice de ruptura possível”, explicou.
Na avaliação de Saporski, o imóvel voltou a ser o sonho de investimento, como era no passado. Com isso, o consumo foi muito rápido, já que a loja de material de construção deixou de concorrer com outros setores, como o de restaurante e viagens. “A pandemia nos ensinou que temos de estar atentos a todos os canais”, frisou.
O executivo opinou, entretanto, que o marketplace não é o caminho para o varejo de material de construção. Segundo ele, esse é um canal que funciona apenas com marcas fortes. “O Whastapp vai nos levar a uma nova forma de comunicação e de ambiente de negócios. Segundo a pesquisa, 94% dos lojistas já usam essa ferramenta”, declarou.
Beth lembrou que o lojista respondeu com rapidez à dificuldade. Nesse sentido, Maristela voltou a dizer que o varejista brasileiro tem a resiliência como característica. Segundo ela, o digital é uma realidade, mas o relacionamento é importante porque por meio deles se descobre os caminhos. “É preciso descobrir quem é o seu shopper, o que ele quer e o que ele compra é o que vai fazer a diferença”, declarou.

O futuro pós-pandemia

Finalizando a apresentação da pesquisa, Katia mostrou qual a expectativa do lojista para o período pós-pandemia, quando a vacina chegar e toda a população estiver imunizada. Segundo o estudo, o novo normal, na percepção dos lojistas, trará aumento no número de clientes. Cerca de 60% dos lojistas acreditam na ampliação do número de consumidores comprando presencialmente e que haverá também incremento nas compras via Whatsapp, telefone e internet. Esta última, crescimento em proporção menor. “Temos duas vertentes. Diferentes clientes usando diferentes canais e os mesmos clientes interagindo com a loja por meio de múltiplos canais. O próprio cliente será multicanal”, explicou.
Segundo ela, antes da pandemia, a maioria dos clientes fazia compras presenciais. Percentual que deverá crescer ainda mais no pós-crise. Katia destacou que a pesquisa apontou que 40% dos entrevistados sentiram falta de parceria com fabricantes e atacadistas nesse período. Entre os que disseram que houve parceria apontaram que permitiram compras em menores volumes, facilitaram pagamentos, tiveram bons prazos de entrega. “O varejo de material de construção é um setor pujante, constituído por milhares de lojas pequenas e médias, além de expressivos home centers. Não se pode generalizar um modelo ideal de loja”, disse.
A consultora destacou, ainda, que há espaço para os diversos formatos e ainda haverá depois que a pandemia passar. Katia observou que as lojas que incluíram as novas formas de vendas ganharam mais um canal, mas não devem descuidar dos outros. “A vida virtual veio para ficar”, acrescentou.
Saporski reforçou que as lojas se adaptaram ao consumidor e que canais novos vieram para ficar, a indústria percebeu que pode estar próxima sem estar dentro do varejo e os vendedores e representantes entenderam que têm um papel mais consultivo e não devem apenas tirar pedidos. “O representante tem que entender o trabalho dele, perceber se ele gera valor na cadeia e se quer fazer com que o setor se desenvolva”, ensinou.

O e-commerce está longe da realidade do material de construção, que é uma venda técnica e precisa de orientação. Mas é uma situação que vamos ter de enfrentar porque o comércio eletrônico não é futuro, ele é presente

O diretor da Cofema ressaltou que o hábito da construção voltou, o que vai colocar as lojas em outro patamar de faturamento, pelo menos, até dezembro. “O varejo só vai seguir se estiver aberto às mudanças”, disse.
Segundo ele, outros fatores, além da pandemia, tornaram a construção mais atrativa. Saporski frisou que se não houver nenhuma mudança econômica drástica, o bom momento da construção vai perdurar. “Teremos um 2021 melhor, mas esqueçam números absurdos. Temos de ter o pé no chão e fazer planejamento de curto prazo”.
Atchabahian considerou que a pandemia deixou grandes lições. Ele lembrou que as empresas se prepararam para o pior, mas que as pessoas confinadas passaram a valorizar sua casa, transformando-a num lugar mais agradável e acolhedor. “As pessoas precisaram se organizar para o home-office e aulas on-line e a demanda aconteceu. A pandemia reforçou o conceito de morar bem”, pontuou, acrescentando que, para 2021, o cenário é otimista, mas sem devaneios.
Finalizando sua participação no evento, Maristela endossou as opiniões de Atchabahian e Saporski e voltou a dizer que o revendedor deve sempre considerar quem é ele, qual seu propósito como loja, conhecer o cliente e deixar claro para o seu consumidor quem é você. “Isso tem a ver com transparência”, finalizou.

Clique aqui para acessar a íntegra da pesquisa apresentada no Global Retail Show

Fotos: Adobe Stock e Reprodução da Internet

 

 

 

 

 

 

 

 

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