Tarifaço

Taxação aos produtos brasileiros

Texto: Redação Revista Anamaco

Desde abril, os produtos brasileiros já convivem com uma nova tarifa de exportação imposta pelo governo norte-americano. Agora, o governo de Donald Trump impôs um novo tarifaço para vários países, que são parceiros comerciais, inclusive para o Brasil.
O comunicado - que de acordo com o governo americano foi feito por meio de carta enviada ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva - cria uma nova tarifa de 50% a todos os produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos a partir de 01 de agosto. O percentual do Brasil é o maior entre todos os demais países, onde os percentuais variam entre 20% e 40%.
A justificativa da Casa Branca é que o Brasil adota barreiras comerciais elevadas contra os Estados Unidos, o que desequilibra o comércio entre os dois países. Além da questão econômica, Trump associou a tarifa a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como por exemplo, a retirada do ar de postagens e contas com conteúdo considerado antidemocrático, e em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na análise do presidente americano, o Brasil tem feito uma “caça” às bruxas em relação a Bolsonaro.
A nova taxa, se for mesmo aplicada, deverá causar prejuízos a diversos segmentos econômicos no Brasil, inclusive ao setor de material de construção. Um exemplo de segmento que tem forte relação comercial com os Estados Unidos é o de revestimentos cerâmicos. De acordo com Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), o país é o principal destino das exportações brasileiras, tanto em volume quanto em receita.
Segundo dados da entidade, das empresas apoiadas pelo Projeto ApexBrasil, 26 exportam para os Estados Unidos. Somente no primeiro semestre deste ano, o montante de vendas externas para o país americano chegou a US$ 44,1 milhões de dólares e 7,4 milhões de m² entre cerâmica e porcelanatos.
O bom desempenho seguiu na esteira da performance do ano passado quando 14,9 milhões de m² de revestimentos foram exportados, gerando um total de US$  95 milhões de dólares. Para este ano, a projeção das exportações totais do Brasil, para todos os países, era de crescimento de 1% em relação a 2024, em um cenário que não contava com a tarifa de 50%.
A Anfacer reforça que não há fato econômico que justifique taxas de 50% sobre os produtos brasileiros. A entidade pontua que a decisão, tomada de forma unilateral, representa um abalo preocupante nas relações comerciais entre os dois países e pode trazer profundos impactos econômicos.
A Associação entende que o aumento abrupto das tarifas compromete a competitividade das empresas brasileiras, em relação a outros países fabricantes de revestimentos cerâmicos, podendo impactar na sustentabilidade dos negócios, investimentos e, consequentemente, na vida de cerca de 50 mil trabalhadores que o setor cerâmico emprega diretamente.
Cristina Yuan, diretora de assuntos institucionais do Instituto Aço Brasil, avalia que a decisão de impor uma nova tarifa de 50% sobre produtos brasileiros inviabilizará a exportação de aço e alumínio. Segundo ela, ainda não está claro se a tarifação é cumulativa. "O setor de aço e alumínio, que já paga tarifa de 50%, arcaria com mais 50%.  O que dobra a nossa preocupação porque se 50% já era uma tarifa elevadíssima e praticamente impeditiva de exportação, a de 100% inviabilizará as vendas externas”, diz a executiva.

A percepção do governo e da oposição

A decisão americana repercutiu no Senado brasileiro. A medida foi duramente criticada por parlamentares da base governista, que classificaram o anúncio como um ataque à soberania nacional. Já os senadores da oposição responsabilizaram o atual governo, sua política externa e as decisões do STF pelo agravamento da crise diplomática.
No meio do imbróglio, Lula concedeu uma entrevista, exibida na noite de ontem (10 de julho), ao Jornal Nacional. Na ocasião, o presidente afirmou que o Brasil quer negociar, cobrou respeito às decisões brasileiras e admitiu que, caso não haja acordo, pode responder à medida tomada pelo governo americano com tarifas iguais. 
Segundo ele, não é possível admitir a ingerência de um país na soberania de outro e nem a intromissão do presidente dos Estados Unidos no Brasil. “É inverossímil a justificativa para aumentar a tarifa. O presidente Trump deve estar muito mal informado. Nos últimos 15 anos, o déficit para o Brasil é de R$ 410 bilhões entre comércio e tarifas. Portanto, não existe explicação. Ele está tentando atrapalhar uma relação muito virtuosa que o Brasil tem com os Estados Unidos há 200 anos”, frisou.
Lula garantiu que o Brasil utilizará a Lei da Reciprocidade quando necessário e vai tentar junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), que ela tome uma posição para decidir quem está certo ou errado. “Se não houver acordo, a partir de 01 de agosto, vamos usar a lei da reciprocidade”, disse.
O presidente da República salientou que Trump tem direito de tomar decisões no país dele, mas com base na verdade. “Se alguém disse para ele que os EUA são deficitários na relação com o Brasil, mentiu”, reforçou.

Vamos, juntos, abrir novos mercados. A relação entre os países precisa ser respeitosa. Um presidente não pode ser o dono da verdade

Lula lembrou que a taxação não é exclusiva ao Brasil e que o governo americano vem taxando vários países desde que tomou posse. “Pretendo reunir todos os empresários que fazem exportação para os Estados Unidos, sobretudo os que têm maior volume, para saber a situação deles e tentar fazer todo o processo de negociação. Espero que os empresários estejam alinhados ao governo brasileiro porque se algum deles achar que o governo brasileiro tem que ceder e fazer o que o outro país quer, não tem nenhum orgulho de ser brasileiro. Essa é a hora do Brasil mostrar que quer ser respeitado no mundo e não aceita desaforo”, pontuou.
Lula finalizou dizendo que vai criar uma comissão de negociação, juntando empresários e governo, e procurar novos mercados para os produtos brasileiros. “Vamos, juntos, abrir novos mercados. A relação entre os países precisa ser respeitosa. Um presidente não pode ser o dono da verdade”, finalizou.

O que diz a economista

Zaina Latif, economista, consultora e sócia da Gibraltar Consulting, explica que, antes de mais nada, é preciso lembrar que essa é uma novela que ainda não acabou e que é preciso aguardar os próximos capítulos, porque não se sabe qual vai ser a decisão e a estratégia final do governo brasileiro, ainda que já tenha algumas dicas. E, também, como os Estados Unidos vão reagir diante do que vier do governo brasileiro, se vai haver retaliação ou não. “Talvez ainda tenhamos que ter mais informações. Em meio a essa incerteza, dá para, pelo menos, tentar fazer um exercício aqui de eliminar alguns cenários extremos. Acho pouco provável que o governo brasileiro vá numa estratégia mais agressiva e acho que o presidente Lula já deu o tom nesse aspecto, passada aquela primeira manifestação mais irritada”, pontua.
A economista avalia que a tendência seja o Trump atenuar e diz não acreditar numa guerra comercial Brasil-Estados Unidos. “Ele é uma pessoa muito volátil. Ele deve recuar por conta de pressões e reclamações que possam vir do próprio setor produtivo”, destaca. 
Zeina pontua que os efeitos setoriais são óbvios e cita como exemplo mais dramático, o segmento do aço e alumínio. “O aço, principalmente, porque 7% da produção doméstica vai para os Estados Unidos.  Mas esse já estava taxado em 50% e a nossa diplomacia estava discutindo e negociando”, pontua.
No caso das commodities - saindo do setor da construção -, ela opina que será possível uma redistribuição para outros países. Segundo ela, o café é possível que o Brasil consiga, o mesmo acontece com o petróleo. “Às vezes, não se trata de abrir novos mercados, mas de ampliar a venda para o mesmo mercado”, pontua, acrescentando que a taxa de câmbio no Brasil dá margem para os exportadores negociarem.
Zeina explica que a taxação das commodities tem um impacto setorial, mas não tem um grande impacto macroeconômico porque a exportação tem um peso modesto no nosso PIB. O que é diferente da indústria e do setor de serviços onde o impacto no mercado de trabalho é muito grande.
A economista frisa que a reciprocidade de tarifas é um erro e que não acha que a OMC vá fazer isso. Na sua análise, é preciso aguardar os desdobramentos até agosto, mas diz que a tendência dos setores é buscar alternativas e diminuir o risco de operação nos Estados Unidos. “O pacote fiscal do Trump fez aumentar ainda mais a dívida pública.  Vemos também, por causa dessas políticas econômicas, uma percepção de risco para o crescimento dos Estados Unidos a longo prazo. Os EUA não são aquele porto seguro do passado. Ninguém vai deixar de investir da noite para o dia, mas é um movimento de buscar diversificação”, salienta.
A consultora diz, ainda, que o Brasil tem uma relação deficitária com os Estados Unidos e importa mais do que exporta. "O que fabricamos não são produtos que concorrem com os produtores locais. A gente não tem essa relevância toda. O que complica, na verdade,  é que foi uma decisão muito mais política e sendo política também mostra que não temos muitas armas para negociar”, diz Zeina. 

A posição das entidades 

A imposição de 50% de tarifas sobre o produto brasileiro por parte dos Estados Unidos foi recebida com preocupação e surpresa pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em nota, a instituição salienta que a prioridade deve ser intensificar a negociação com governo de Donald Trump para preservar a relação comercial histórica e complementar entre os países. Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto. Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano. Uma quebra nessa relação traria muitos prejuízos à nossa economia. Por isso, para o setor produtivo, o mais importante agora é intensificar as negociações e o diálogo para reverter essa decisão”, avalia Ricardo Alban, presidente da CNI.
A entidade lembra que Brasil e Estados Unidos sustentam uma relação econômica robusta, estratégica e mutuamente benéfica alicerçada em 200 anos de parceria. Os EUA são o 3° principal parceiro comercial do Brasil e o principal destino das exportações da indústria de transformação brasileira. O aumento da tarifa para 50% terá impacto significativo na competitividade de cerca de 10 mil empresas que exportam para os Estados Unidos.
A CNI reforça a importância de intensificar uma comunicação construtiva e contínua entre os dois governos. "Sempre defendemos o diálogo como o caminho mais eficaz para resolver divergências e buscar soluções que favoreçam ambos os países. É por meio da cooperação que construiremos uma relação comercial mais equilibrada, complementar e benéfica entre o Brasil e os Estados Unidos”, destaca Alban.

Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto

De acordo com a Confederação, ao contrário da afirmação do governo dos Estados Unidos, o país norte-americano mantém superávit com o Brasil há mais de 15 anos. Somente na última década, o superávit norte-americano foi de US$ 91,6 bilhões no comércio de bens. Incluindo o comércio de serviços, o superávit americano atinge US$ 256,9 bilhões. Entre as principais economias do mundo, o Brasil é um dos poucos países com superávit a favor dos EUA.
A CNI aponta que a entrada de produtos norte-americanos no Brasil estava sujeita a uma tarifa real de importação de 2,7% em 2023, o que diverge da declaração da Casa Branca. A tarifa efetiva aplicada pelo Brasil aos Estados Unidos foi quatro vezes menor do que a tarifa nominal de 11,2% assumida no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) também se posicionou em relação ao anúncio vindo da Casa Branca. Em nota, a entidade expressa profunda apreensão diante da decisão do governo dos Estados Unidos.
Na análise da entidade, a medida fere os princípios elementares do comércio internacional e penaliza, de forma injusta, empresas comprometidas com a produção, a geração de empregos e o crescimento econômico do País. O setor privado brasileiro, responsável por sustentar a atividade econômica e criar milhões de postos de trabalho, não pode ser transformado em instrumento de retaliação política ou alvo de embates ideológicos (de ambos os lados), que estão fora de sua esfera de atuação. 
A nota frisa, ainda, que, além de fragilizar o comércio entre os dois países, a FecomercioSP considera inadmissível que decisões estratégicas e de alto impacto sejam tomadas à margem do diálogo diplomático e da construção de consensos. A ruptura de pontes comerciais não apenas compromete as cadeias produtivas, como também deteriora o ambiente de confiança entre nações e a disposição das empresas para investir, gerar valor e ampliar trocas no mercado internacional.
A entidade reafirma a convicção de que o caminho para o desenvolvimento sustentável passa pela abertura e pela diversificação de mercados, bem como pelo respeito às regras internacionais e pela valorização do entendimento diplomático entre países. Em vez de rupturas, o comércio mundial requer relações construídas com base no diálogo, na previsibilidade e em políticas que promovam o equilíbrio e a prosperidade. 

Foto: Adobe Stock

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